Depois do meu retiro, juntamente com mais uma dezena de Pioneiros de Schoenstatt e o Padre José Melo, em Carregal de Manhouce (não era bem Cercal), jurei que das primeiras coisas que faria quando chegasse a casa seria ouvir a "4 Estações" de Vivaldi. Na verdade, depois de me ter actualizado após uma semana em que não contactei com o mundo exterior (só hoje soube que o Beira-Mar tinha ganho ao Boavista, por exemplo), apenas há poucos minutos tive a oportunidade de apreciar essa obra-prima. Mas quando comecei a ouvir passei logo para a última parte do "Verão", aquela mais conhecida. Todo o meu interesse estava nessa parte. Quanto a mim foi a causa do pesadelo em dia de aniversário. Pois é, completei 20 Verões no último dia 15. Mas o dia começou muito mal, pessimamente. Quando me deitei, perto das 23:30 do dia 14, começou a pingar e eu refugiei-me na minha tenda. Cedo adormeci. O que mais me lembro é de ter acordado pouco depois das 4:30 da manha (bem perto da hora em que nasci) completamente em pânico. Confesso até que demorei quase uma hora a adormecer, enquanto a chuva lá continuava, impiedosa, batendo na parte de fora da tenda.
O início não era nada de anormal. Afinal de contas estar envolvido numa campanha em prol de uma menina de Estarreja que precisava de um transplante de "rojões" (nome que o meu subconsciente encontrou para os rins) não era nada de mais. Quando finalmente as coisas parecem estar resolvidas vou ver um jogo ao Estádio Municipal de Aveiro (pelo menos parecia-me do lado de fora), no entanto a cidade por onde se desenrolou o meu pesadelo não viria a ser nenhuma de que me recordasse. Não me lembro quem jogou, mas deveria ser um grande jogo, já que a enchente do estádio obrigou muita gente a ir estacionar o carro para lá da A25. Do que me lembro é que quando ia a passar a rotunda chegaram algumas carrinhas com uns rapazes vestidos de branco, quase ao estilo de Laranja Mecânica, que deixou toda a gente em pânico. Em não sei se na altura fiquei fascinado, se incrédulo, mas as pessoas fugiam deste rapazes que para além de estarem vestidos de branco até pareciam boas pessoas. Lembro-me que agarraram uma dúzia de pessoas e de repente saiu um rapaz de cabelo encaracolado e claro, com cerca de 20 anos, que começou a beijar essas pessoas na têmpora, ordenando que elas se libertassem e se fundissem com a multidão em fuga. O pior foi mesmo quando vi as pessoas beijadas saltarem de um viaduto para o meio da Auto-Estrada. Aí comecei a correr (sabe-se lá como) com o resto da multidão em, fuga, enquanto o grupo vestido de branco caçava os condutores dos carros parados em tentativa de fuga.
Depois só me lembro de me encontrar numa cidade completamente desconhecida e descia uma rua de bicicleta. Cheguei a uma certo ponto em que poisei a bicicleta e comecei a andar de um lado para o outro. O meu subconsciente não me fez uma analepse para que eu pudesse saber o que se tinha passado entretanto. Acabei mesmo por encontrar dois rapazes vestidos de branco e deles não me tentarem agarrar nem de eu tentar fugir. Quando o meu subconsciente finalmente olhou para mim, notei que também eu estava vestido de branco. Em seguida perguntei aqueles soldados porque estava eu vestido daquela maneira. Ao que responderam "Foste libertado pelo beijo de Daniela. De hoje em diante, como sinal da tua gratidão, prepararás pessoas para que Daniela os possa escolher." "O que é Daniela?", continuei eu. "Quem te beijou a têmpora e te libertou do mundo em que vivias. Só aos corações puros é permitida essa libertação. Parabéns, porque és um coração puro, senão hoje não estarias diante de nós", responderam algo compreensivos. "Mas Daniela não era um rapaz?", repliquei mais uma vez. "Daniela é Deus, que cansado de esperar pelo fim do mundo, beija as pessoas na têmpora e, ou as conduz à morte através da loucura da sua mente, ou as conduz ao paraíso devido à pureza dos seus corações." "Então porque matar pessoas em vez de zelar pela pureza dos seus corações?" perguntei eu algo desesperado. "DANIELA!", gritaram os dois em uníssono. Ao olhar de repente para uma esquina vi surgir, como se lá sempre tivesse estado, Daniela, que se juntou a nós os três e começou a falar: "Dei muitas oportunidades às pessoas para viverem com um coração puro, mas elas preferiram fugir de mim, me vez de intentarem esse feito. Talvez os primeiros que beijei tenham sido de alguma forma inocentes, mas as pessoas continuaram a fugir, sem perceberem que a única escapatória possível para eles é virem ter comigo, de mãos limpas. Não me resta outra opção." E desapareceu enquanto 3 raparigas surgiram vidas do céu, também elas completamente vestidas de branco. Uma de cada vez lá deram um beijo na minha têmpora direita e as 3 ao mesmo tempo caíram em cima de mim. Quando dei por mim no chão estava numa linha de comboio de alta velocidade, com uma locomotiva apenas a alguns metros de mim.
Foi neste momento que acordei.
Na manha do dia 15 fiz uma retrospectiva e lembrei-me que os primeiros pingos de chuva dessa noite me tinham feito lembrar do "Verão" do Vivaldi. E tinha sido a musica que eu tinha ouvido quando o fascínio me tinha invadido, no momento em que conheci o Daniela. Talvez o sonho revele alguma presunção da minha parte, afinal de contas era o meu dia de anos. Talvez quando sonho em ser mártir, sejam pesadelos que eu tenho acordado e que em vez de pânico sinto mágoa e por vezes vontade de chorar. Quando aos "Rojões" e ao "Daniela" eu ainda estou à espera que a vida me indique o porque destes sinas divinos. Olhem ainda outra coisa: talvez Deus seja o único a reconhecer verdadeiramente um coração puro, mas basta que ele envie 3 mulheres de coração puro para acabar comigo. Em verdade, meus amigos, basta apenas uma "Daniela"...