Muito se tem falado do futuro tratado europeu que irá substituir a constituição europeia. Não tão pelo seu conteúdo, mas sim pela vertente pouco democrática de que este poderá ser revestido. Não é costume eu exigir a existência de qualquer referendo e sendo assim não tenciono neste caso abrir qualquer precedente. Mas existe um aspecto positivo em toda esta discussão: Finalmente começa-se a por em causa a falta de legitimidade democrática de órgãos como a comissão europeia ou o conselho europeu. Na verdade, o conselho da UE é um órgão que reúne os governos de cada país, os eleitos por aqueles partidos, que embora dizendo-se de esquerda e de direita, todos dizem, e com razão, que são iguais. Não existe neste órgão qualquer opinião que se desvie um pouco do pensamento dos mais eurocratas.
São estes senhores que fizeram a constituição que acabou por ser chumbada em 2 países por referendo popular (por sinal, dois países fundadores do projecto europeu) e que agora surge embrulhada noutro pacote com o nome de tratado. Quanto a mim, estes senhores finalmente lembraram-se da táctica dos pequenos passos. Ao substituírem o termo constituição por tratado constitucional, evitam o drama de submeterem a 27 referendos populares com resultados imprevisíveis e deixam para os democraticamente eleitos parlamentos nacionais essa ingrata tarefa. E como constituições só haveria uma, tratados é só mais um. A gente até se lembra de alguns nomes como Maastricht, Nice, Roma, etc. embora não faça ideia do que eles instituíram. Como já disse, irá ser mais um.
Quer queiramos quer não, a generalidade da população atenta a estes fenómenos queixa-se de um défice de participação popular na construção do projecto europeu. É natural, já que as decisões ficam a cargo dos eurocratas que governam os diversos países, sendo que em vez de se discutirem questões orgânicas de fundo, se debatem meras alíneas, aquilo que cada um dá, aquilo que cada um recebe, e, porventura, os jogos da liga inglesa. Aqueles conselhos da Europa, em vez do jogo da pela, assemelham-se a uma qualquer casa de apostas de Newcastle. Na verdade, constato que estamos perante uma Europa construída pelos eurocratas e não pelos europeus. É quase como ver, de uma maneira sinistra, Portugal a ser governado apenas por nacionalistas. Constato ainda que os dirigentes europeus devem estar perante um sério dilema: Referendar o tratado, calando as vozes que se insurgem contra a falta de participação popular na construção do projecto europeu, correndo o risco de este ser rejeitado, ou aprovar o tratado por decreto, tendo que continuar a ouvir essas mesmas vozes. Como não aconteceu na constituição, esses métodos de decisão utilizados por cada país serão decididos em pleno Conselho da UE. Assim, nos países mais tremidos, será aprovado por decreto, como se de um qualquer tratado se tratasse; Nos restantes recorrer-se-á ao referendo, para calar os críticos e ter fortes aprovações populares, como aconteceu em Espanha.
Em Portugal penso que irão avançar para o refendo, com alguma pena minha, por duas razões. Sendo eu um adversário ao actual projecto europeu, seria a confirmação de que os portugueses, na sua grande maioria, apoiam este projecto, assim como os seus correligionários. Em segundo, a pouca força que o "não" poderia ter nesta votação ficaria a dever-se ao descontentamento generalizado que a população portuguesa tem por este governo e até pela classe politica em geral, que tentaria demonstrar através de um voto de protesto.
Os nossos eurocratas não correriam o risco do voto francês, ou seja, um povo que está farto do mecanismo europeu de dar e de nada receber. Na verdade, o grande problema deles é que não existem assim tantos agricultores como eles provavelmente pensavam.
Na verdade, a nossa constituição proíbe o referendo de tratados europeus, provavelmente pelas razões que me deixam apreensivo perante um referendo a este tratado.
Sem comentários:
Enviar um comentário